Pode parecer estranho, como tantas coisas nessa vida que não tem explicação, mas assim, de repente, ela acordou com vontade de subverter. Podiam ser várias as razões. Saudade da década de 70 (que ela nem ao menos viveu, mas achava chic!), saco cheio da hierarquia que a rodeava ou poderia mesmo ser influência de “House”, vai saber...
A verdade é que ela levantou com a língua afiada, vestiu um tubinho discreto, mas fatal. Botou meias longas de seda pretas, provocantes e que a fazia se sentir sexy. Uma maquiagem muito séria e misteriosa, um toque de perfume amadeirado e pronto! Olhou-se no espelho e achou o máximo o que viu. Belo figurino para sua desforra.
No carro, olhou em volta, tudo estava como sempre. O mesmo cd é-hora-de-acordar de todos os dias, os mesmos óculos escuros e a eterna valise vermelha que lhe parecia tão feminina. Não era para parecer igual... Ela pegou o porta cd se questionando quem ainda ouve cd dentro do carro depois que inventaram mp3 e porta USB, mesmo assim, encontrou um cd de música clássica com mesclas de guitarras, baixo e bateria, um tipo de versão que fazia a música clássica parecer realmente pesada e contemporânea. Esse disco estava escondido porque ela tinha vergonha que as pessoas soubessem que ela gostava, mas hoje ela chegaria lá ouvindo Carmina Burana, versão heavy metal.
Chegou. Deu os cordiais “bom-dia” de sempre. Foi para sua sala compartilhada com a mocinha sorridente. Sentou e começou a fazer as tarefas da rotina já esperando sua chefe chegar. Na sua cabeça fantasiava a hora que ela subiria as escadas berrando. Sua reação seria ótima, prometia-se, enquanto respirava muito rápido! O olho no relógio, outro na porta. A chefe está atrasada. Estranho! Isso nunca acontece. Quando a frustração começou a enchê-la, ela já não sabia se era melhor continuar embromando o trabalho ou se era mais bacana procurar um joguinho na Internet para matar o tempo.
Quando já pensava em roer as unhas ou desistir de brigar com a chefe e voltar para a vida de submissão e cabeça baixa, bem nessa hora a porta se abriu. Entrou ela, a bem-sucedida, vigorosa em seu conjunto de tallier, coisa mais prega para um dia de sol! Exibindo a face colorida de maquiagem Dior que fora comprada em NY. A garrafinha de água mineral na mão não tinha nada a ver com o estilo “Poderosa Chefona”, mas mostrava que, além de tudo, ela era consciente e evitava o envelhecimento precoce.
A chefe lhe lançou um olhar que ela não conseguiu reconhecer. Tremia por dentro. O que era aquilo? Medo? O que significava aquela mulher? A dona do seu emprego, a opressora que lhe dava enjôos e pesadelos, que nunca lhe deu chance de crescer, mas que, no lugar disso, mandava, desmandava e desmanchava toda boa expectativa que podia pintar no trabalho.
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